Compostagem doméstica de resíduos orgânicos

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A minha segunda melhoria de 2022 foi ter começado a compostar os resíduos orgânicos cá de casa. Tenho andado muito entusiasmada com isto! Eu que não tenho quintal, nem varanda, achei esta compostagem ideal para apartamento, sem cheiros e compacta, a compostagem bokashi!

Compostor bokashi
Compostor bokashi e o gato Temaki

Compostar?

A minha preocupação, é que os resíduos que deitamos fora, que não reciclamos, vão para aterro, e lá não há condições para os resíduos se decomporem o que acabam por gerar gás metano, um gás com efeito de estufa.

Se já reciclamos vários materiais, em vez de ter um saco debaixo do lava-loiças para colocar os restos de comida e levar para o caixote de lixo na rua, por que não colocar num compostor e poder tornar isto um ciclo e devolver os resíduos à terra, tornando-a mais rica?

Soluções locais

Há um ou dois anos andei a investigar, tanto no meu concelho, como na freguesia, e encontrei a compostagem termofílica comunitária, no entanto, os locais eram longe e não achei que compensasse a viagem, apesar de ter lá ido uma vez.
Na altura soube que tinham também a recolha de resíduos orgânicos mas só em escolas e restaurantes aderentes e só para serem usados pelos próprios, não se podia ir lá deixar.
Fui um bocadinho chatinha com os serviços da câmara e da junta mas lá me foram respondendo.
Falaram-me também do programa de compostagem termofílica para o jardim do condomínio em que ofereciam o compostor e as pessoas que participassem deviam ter uma aula no início para entender como fazer, no entanto, apesar de haver até vários interessados no condomínio, levantaram-se algumas questões e a coisa ficou por ali.

Solução nacional e europeia

A partir de 1 de janeiro de 2024, Portugal vai ter de fazer a recolha seletiva dos resíduos orgânicos, da mesma forma que já temos a do papel, vidro e plástico, ou que as pessoas possam fazer a compostagem doméstica.

Os Estados-Membros instituirão, até 1 de janeiro de 2025, a recolha seletiva de têxteis e de resíduos perigosos domésticos. Além disso, assegurarão que, até 31 de dezembro de 2023, os biorresíduos sejam objeto de recolha seletiva ou reciclados na fonte (por exemplo, compostagem doméstica). Tal acresce à recolha seletiva já existente de papel e cartão, vidro, metais e plástico.

diretiva – artigo 22o

Ainda faltam 2 anos e mesmo sem ser pelo tempo que os outros façam por nós, existem vantagens de fazermos nós mesmo, especialmente este tipo de compostagem, que fico muito feliz de ter encontrado. Deixo estas vantagens mais para o fim do artigo para abordar os conceitos primeiro.

A minha descoberta bokashi

Em outubro 2021 dei um pequeno incentivo na campanha: Compostar em todo o lado, assisti às aulas da Escola a Compostar sobre 3 tipos de compostagem e me interessei especialmente sobre a compostagem bokashi. Em dezembro, fiquei a saber que a Carolina da mudatuga ia fazer um desafio de compostagem bokashi durante o mês de janeiro e decidi aderir e avançar com a compostagem para a frente! E, como isto é mesmo muito fácil, é só seguir umas pequenas regras, já me sinto confiante para partilhar a minha experiência.

Definição

A compostagem bokashi é diferente da compostagem que podemos ver nos jardins e nos compostores comunitários, porque essas são aeróbicas, em que a decomposição é feita por microorganismos que só vivem na presença de oxigénio.
A compostagem bokashi é anaeróbia, a decomposição é feita na ausência de oxigénio, o que significa, que tem de ser feito num recipiente muito bem fechado, que não entre ar.

Compostor bokashi
Compostor bokashi. Neste armário tenho os dois compostores, um atrás do outro.

Bokashi significa, em japonês, matéria orgânica fermentada. Foi desenvolvida nos anos 80 por um professor da universidade de Okinawa, no Japão, e consiste em colocar os resíduos orgânicos da cozinha, por camadas, com um farelo especial - o farelo bokashi - num contentor que não deixe entrar ar.

Tem um fundo falso, que separa o líquido que sai dos resíduos, dos próprios resíduos, e contém uma torneira em baixo, de forma a retirarmos esse líquido.

Fundo falso do meu compostor bokashi que separa os resíduos do líquido que deles sai

O que precisam para começar?

  1. Compostor - existem algumas marcas no mercado, eu utilizo o da Skaza mas podem até fazer o próprio compostor, desde que seja hermeticamente fechado, tenha um fundo falso com buracos e uma torneira que tem de ter umas borrachas dentro e fora do compostor para que isolem mesmo o ar;
  2. Farelo bokashi - mais em baixo explico o que é mas sem isto não é possível os resíduos fermentarem, pois irão apodrecer e se apodrecerem não se vão tornar composto;
  3. Utensílio para amassar os resíduos - pode vir com o compostor se for comprado, pode ser um esmagador de batata, qualquer coisa que dê para esmagar os resíduos;

Tecnicamente não precisam de mais nada extraordinário:

  1. Para tirar o farelo bokashi do saco ou caixa, pode ser com a mão (mãos secas), com um copo ou com uma colher;
  2. Para retirar o líquido que sai do bokashi podem usar um copo;
  3. Para armazenar o líquido no frigorífico podem usar uma garrafa ou outro recipiente.
Compostagem bokashi
Compostagem - tudo a postos. Compostor, 1kg de farelo bokashi, um utensílio para tirar o farelo e uma espécie de pá para amassar os resíduos.

Passo a passo

Querem ver como é muito fácil começar a compostar no método bokashi? Passo a passo separado nas duas etapas necessárias da compostagem bokashi:

  • Etapa 1 - encher e fermentar

    1. Começar sempre com farelo bokashi no fundo falso do compostor.
      Podem também começar por colocar uma folha de papel absorvente antes, é opcional mas evita que saiam resíduos pelos furos e obstruam o fundo ou a torneira.
      Não coloquei na minha primeira compostagem e correu bem mas estou a experimentar na segunda compostagem depois de ter aprendido esta técnica.
      Fundo falso com papel absorvente de cozinha
    2. Depositar os resíduos e espalhá-los. Máximo 2 dedos de altura.
      É importante ver as secções em baixo com o que se pode ou não colocar e a dica de armazenamento dos resíduos numa outra caixinha no frigorífico de forma a abrirmos o bokashi apenas 1 vez por dia e o quanto isso é importante.
      Espalhar resíduos no compostor bokashi
      Compostor com resíduos espalhados (aqui já tinha 2 ou 3 semanas de resíduos)
    3. Pressionar os resíduos no compostor, isto ajuda a drenar o líquido e a eliminar o ar entre os resíduos
      Pressionar os resíduos no compostor bokashi
      Pressionar os resíduos no compostor bokashi
    4. Adicionar, espalhando o farelo bokashi por cima dos resíduos no compostor. Sem este farelo bokashi os resíduos apodreceriam. Não queremos que apodreçam mas que fermentem e fiquem parcialmente decompostos.
      Resíduos com farelo bokashi por cima Camada de resíduos no compostor bokashi atual
      Farelo bokashi no medidor e resíduos com farelo bokashi por cima (pode ser menos do que coloquei nessa foto que estava a fotografar ao mesmo tempo e ficou muito junto
    5. Se tiverem mais resíduos, repetem o processo de depositar e espalhar, achatar e adicionar farelo
    6. Fechar bem a tampa
    7. Garantir que a torneira está fechada
    8. Repetem até encher o compostor (pode-se deixar cerca de dois dedos de espaço vazio). Quando estiver cheio terá de maturar, sem abrirem o compostor, durante no mínimo 2 semanas (retirando o chá de bokashi regularmente)
  • Etapa 2 - tornar composto

    1. Após esse tempo a fermentar, chegou a altura de voltar a abrir o compostor! Os resíduos estão parecidos mas mais pálidos e moles, estão fermentados, parcialmente decompostos. Pode haver um fungo branco, é bom sinal mas não é obrigatório ter.
    2. Vertem o conteúdo do bokashi para o dobro da terra, pode ser num vaso, no jardim, numa caixa organizadora, e a terra não precisa de ser bom nem ter qualquer substrato, deve até ser a pior que conseguirem arranjar, seca. Misturam tudo, tapam com 4 dedos de terra e aguardam no mínimo mais 2 semanas.
    3. Após este tempo na terra, têm composto! Poderão haver alguns resíduos que precisem de mais tempo, como caroços ou espinhas e podem ficar mais tempo na terra, ou no caso de já terem colocado num sitio final, ficam-se por aí.
    4. Podem adubar as plantas, dar a amigos e familiares, deixar na terra. Podem também ficar com parte da terra para as vezes seguintes do bokashi, até estar tão rica que têm de trocar novamente por terra mais seca.

É muito simples mas há algumas regras a ter em atenção para garantir que corre tudo na perfeição.

O que se pode colocar

É possível colocar os resíduos orgânicos da cozinha mas o mais importante é que estejam cortadinhos para facilitar o contacto com os microorganismos do farelo. Podem usar uma tábua e uma faca, ou uma tesoura (casca de banana e casca de camarão é mais fácil com tesoura).

Compostor bokashi Compostor bokashi
Preparar os resíduos antes de abrir o compostor. Estarem cortados em pedaços pequenos e desfazer as borras de café.
  • Restos de fruta, de vegetais, de arroz e de massa - crus ou cozinhados, temperados ou não;
  • Restos de carne e peixe;
  • Restos de queijo;
  • Cascas de ovos, de camarões, de frutos secos;
  • Borras de café;
  • Espinhas;
  • Citrinos;
  • Caroços pequenos, por exemplo, de laranja, limão e azeitonas;
  • Os restinhos da laranja quando se espreme no espremedor;
  • Lufas orgânicas.

Não colocar no compostor bokashi

  • Água;
  • Leite;
  • Sopa;
  • Molho;
  • Iogurte;
  • Outros líquidos;
  • Ossos e caroços médios ou grandes - é possível mas é necessário passarem por uma técnica biocarvão (ou carvão activado) em que é necessário uma lareira e um queimador em aço inoxidável mas não estou por dentro deste assunto;
  • Resíduos já com bolor - se for um pouco de nada, não deverá fazer mal mas deve ser algo pontual.
  • Resíduos não orgânicos nem fezes

Abertura do compostor bokashi

Como a compostagem bokashi é feita sem oxigénio, é muito importante não abrir constantemente o compostor para colocar os resíduos ao longo do dia.

O ideal será ter uma pequena caixa hermética, para reunir os resíduos ao longo do dia e abrir o compostor bokashi somente uma vez por dia ou em dias alternados.

Caixa de 1kg de iogurte com papel à volta
Caixa de 1kg de iogurte com papel à volta

Utilizo uma caixa de iogurte de 1kg como contentor para os resíduos do dia. Apliquei um papel à volta para não confundir com os outros iogurtes e que sai bem para poder lavar a caixa quando a esvazio.
Corto os pedaços no momento de colocar nesta caixa pequena para não ter de fazer a uma quantidade maior na altura de colocar no compostor

Farelo bokashi

Na compostagem de jardim é necessária muita matéria seca, como por exemplo, folhas secas. No inverno, com a chuva, é mais difícil arranjar. Na compostagem bokashi não é necessária matéria seca. É necessário o farelo bokashi, que se junta à camada (máximo 2 dedos) de resíduos orgânicos cortados em pequenos pedaços.

O farelo bokashi é um farelo inoculado com microorganismos eficientes que aceleram a compostagem.

Um saco de farelo bokashi de 1kg poderá dar para 6 ou 12 meses mas irá depender se a pessoa ou a família geram muitos resíduos, no entanto, não é necessário colocar demasiado, basta espalhar bem pela camada, não é necessário tapar de forma a deixarmos de ver o que está por baixo.

Não adianta fazer compostagem bokashi apenas com o contentor, é necessário este farelo bokashi pois são estes microorganismos que fazem o trabalho. Os resíduos apodrecem se forem deixados num contentor fechado sem o farelo bokashi.

Cuidado com a humidade no armazenamento do farelo, pois é assim que se activam e podemos estragar farelo desta forma. Guardar num espaço seco, dentro de uma caixa fechada hermeticamente.

Farelo bokashi em copo medidor
Farelo bokashi. Retirar metade do medidor e espalhar

Chá de bokashi

Este chá não é para beber. É o líquido que sai da torneira do compostor.
Este líquido pode agir como fertilizante para as plantas, se diluirmos numa proporção de 10ml de líquido para 1 litro de água, a deitar na terra das plantas e nunca nas folhas. Verificar as regras de fertilização de acordo com as plantas.

Outra solução é deitar no ralo da cozinha, não diluído, pois ajuda a retirar a gordura que se acumula nos canos.

O chá de bokashi pode-se tirar através da torneira 2 a 3 vezes por semana e pode e deve ser armazenado no frigorífico por 15 dias.

Pode demorar 8 dias ou até 3 semanas a sair chá de bokashi do compostor, vai dependendo dos resíduos.

Retirar o chá de bokashi do compostor Fechar a torneira do compostor Armazenar o chá de bokashi no frigorífico
Retirei o chá de bokashi através da torneira. Quando terminei, garanti que fechei bem a torneira para não entrar ar e verti para uma garrafa para colocar no frigorífico até 15 dias

2 compostores

É necessário, pelo menos, dois compostores, pois como é necessário deixar os resíduos repousarem durante pelo menos 2 semanas, a fermentarem, dentro do compostor, vamos precisar de um segundo para continuar a compostar.

Quando o primeiro terminar e for para a terra, lavamos e está pronto para mais uma voltinha! E vamos alternando.

Sem cheiro

Não cheira mal. Também não cheira bem. Simplesmente não tem cheiro.
A caixa está fechada e tem de isolar bem para funcionar, portanto, não há cheiros.
Caso comece a cheirar mal, significa que há um problema com a caixa e está a deixar entrar ar e os resíduos estão a apodrecerem em vez de fermentarem, mas calma, se for muito no início e o compostor está vazio, ajuda colocar uma caixa de cartão, por exemplo, se for um compostor comprado pode ser a tampa da caixa, e umas pedras ou outro peso por cima, de forma a reduzir o contacto dos resíduos com o ar do compostor.

A minha mãe deu-me estes dois grandes calhaus, são talvez grandes de mais e são bem pesados mas fazem o seu trabalho competentemente.

Não utilizei esta dica ninja da Carolina da mudatuga na minha primeira compostagem e sempre que abria o compostor, metia lá o nariz e nunca me cheirou mal. Mas nunca se sabe, pode depender dos resíduos ou das vezes que se abre o compostor. Eu fui muito paciente e nem sempre abri todos os dias.

Quanto ao chá de bokashi, tem um cheiro avinagrado muito leve. Só o consigo cheirar se lá enfiar o nariz, que é o que faço, só para ver como está. Não gosto muito mas é mesmo muito leve.

Vantagens

  1. Não se tem de ir ao lixo tantas vezes com os restos da cozinha: menos sacos; menos cheiros e líquidos de quando fica um pouco de tempo a mais do que devia (principalmente para quem está em teletrabalho e raramente sai de casa);
  2. Podem-se colocar mais coisas do que a compostagem comunitária, pelo menos segundo as regras aqui do concelho, que não podiam ir restos de carne, peixe ou marisco;
  3. Se as regras da compostagem comunitária o permitirem ou se fizerem compostagem termofílica, também dá para fazer a segunda etapa da bokashi nesses compostores e a bokashi até acelera a compostagem termofílica;
  4. A vantagem de fazer em casa, mesmo se for para entregar nos caixotes da câmara, reduzimos os resíduos em 25% porque retiramos o líquido e é menos transporte se todos fizéssemos o mesmo;
  5. Fazendo em casa, sem entregar à câmara, ficamos nós com o composto e podemos revitalizar terra seca e pobre, tanto para nós como para dar a familiares, amigos ou vizinhos;
  6. É muito bom estar a contribuir para reduzir os gases de efeito de estufa e não estar a deitar resíduos orgânicos num saco para aterro ou queimar.

Camadas bokashi

Em baixo estão fotos das minhas três últimas camadas da minha primeira compostagem bokashi. Na realidade, falta uma foto entre a 2ª e a 3ª e falta-me mesmo a última que me esqueci de fotografar.

Camada de resíduos no compostor bokashi Camada de resíduos no compostor bokashi Camada de resíduos no compostor bokashi
Camadas de resíduos com farelo

Com o tempo, como os resíduos vão perdendo líquido, vai sendo possível achatá-los ainda mais.

Compostuga

Para finalizar, aproveito para partilhar o lançamento do Compostuga que foi recentemente anunciado pela mudatuga.
Os primeiros kits de 2022 estão atualmente disponíveis para reserva.
O trabalho que a mudatuga tem feito nesta área permitiu a concepção de um compostor inovador no mercado baseado numa economia circular, trabalhando com produtores locais de cortiça e, com um material inovador à base de biocompósito de cortiça e polímero reciclado. Com o fabrico próprio do farelo bokashi, valorizam as bolotas das nossas florestas. O kit já traz o material para a segunda etapa e vai também integrar uma app exclusiva sobre compostagem para ajudar os chamados, ninjas da compostagem.
Tem ganho prémios e sendo um produto português, vale a pena estar atento!

Compostuga

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